Brain Dump

segunda-feira, 22 de junho de 2009

As batalhas do magenta

Convencer as pessoas de que o magenta existe foi uma batalha, mas certamente não a única batalha pela qual a cor passou. O magenta é uma cor mais sofrida que o flicts; na verdade a própria origem do magenta foi em uma batalha!

Originalmente, a cor #FF00FF era chamada de fúcsia, em homenagem a uma singela florzinha que tem essa cor. Mas em 1859 houve uma sangrenta batalha entre franceses e austríacos, tão intensa que pintou o chão de sangue. Essa batalha aconteceu na cidade italiana de Magenta, e desde então aquele tom da cor de sangue ficou conhecido como magenta.

A batalha mais recente do magenta é contra outra injustiça cometida pelo povo que não conhece física. Dessa vez a abobrinha veio de um designer coreano, que bolou uma caneta-scanner especial para desenhistas. Se você quiser pintar uma maçã com a aparência similar a uma maçã real, basta usar a ponta-scanner da caneta para capturar o tom RGB exato da fruta, e na outra ponta a caneta mistura as proporções exatas de tintas (vermelhas, verdes e azuis) que reproduzem aquele tom. A idéia da caneta até é legal, mas do jeito que foi bolada, não funciona.


O problema da caneta, é claro, são as tintas. Para entender por que elas são um problema, precisamos relembrar a definição de cor do Kandel: "Cor é uma experiência subjetiva relacionada à composição espectral da luz que atinge o olho". Ou seja, segundo essa definição, a única coisa que pode ter cor é luz. Como tinta não é luz, logo tinta não pode ter cor.

A maneira correta de caracterizar uma tinta é através da sua refletância, ou seja, a relação entre luz absorvida e refletida para um dado comprimento de onda. A cor da tinta não depende apenas de suas características intrínsecas, mas também da luz que incide sobre ela.

Você pode fazer um experimento simples para verificar isso. Primeiro pegue dois pedaços de pano, branco e vermelho, e um lightsaber bicolor, azul e vermelho (se você não tem um lightsaber bicolor, eis uma boa desculpa pra comprar um!). Veja agora como a cor do tecido depende da luz incidente:

Luz ambiente (branca)

Luz vermelha

Luz azul

Agora dá pra ver claramente: o tecido "branco" na verdade reflete toda a luz que chega, então ele só é branco quando a luz é branca. Se a luz for vermelha, o tecido fica vermelho, se a luz for azul, o tecido fica azul.

Já o tecido "vermelho", na verdade, absorve todos os comprimentos de onda, menos o vermelho. Tanto faz se a luz é branca ou vermelha, o resultado é o mesmo: só o vermelho é refletido. Já quando a luz é azul, sem componente vermelho nenhum, o resultado é que ele fica com aparência praticamente preta, pois não tem nada pra refletir. O diagrama abaixo mostra o que aconteceu:


Agora fica claro porque a escolha de cores do designer coreano é falha. As tintas que ele escolheu (vermelho, verde e azul) não podem ser misturadas! Vejamos: uma tinta vermelha, na verdade, absorve o verde e azul, refletindo só o vermelho. Uma tinta verde, na verdade, absorve o vermelho e o azul, refletindo só o verde. Se você misturar o vermelho com o verde, a tinta resultante vai absorver o vermelho, o azul e o verde, ou seja, não vai refletir nada. Uma mistura de tintas vermelhas e verdes, em proporções iguais, dá uma tinta preta.

Quem já trocou cartuchos de impressora jato de tinta sabe qual a solução para esse problema. Basta escolher outras cores: amarelo, ciano... e magenta! Essas sim são tintas que podem ser misturadas. Confira: uma tinta magenta, na verdade, absorve o verde. Uma tinta ciano, na verdade, absorve o vermelho. Se você misturar magenta com ciano, o resultado absorve o verde e o vermelho, ou seja, só sobra azul. Tinta magenta com tinta ciano dá tinta azul.


Essas tríades de cores são chamadas de cores primárias. Vermelho, verde e azul são as cores primárias aditivas, aquelas que você usa com emissores de luz, como lâmpadas e LEDs. Ciano, magenta e amarelo são as cores primárias subtrativas, aquelas que você usa com tintas.

Por fim, isso nos leva a mais uma batalha do magenta. "Peraí, minha professora na escolinha disse que as cores primárias são vermelho, azul e amarelo"! Hum, foi mal, mas a sua professora te ensinou errado (deve ter sido a mesma professora que ensinava que se a órbita da Terra era elíptica, então o inverno é quando a Terra está mais longe do Sol). Ela não sabia diferenciar magenta de vermelho, nem ciano de azul.

Uma dúvida mais sutil é "Ah, mas eu misturava vermelho, azul e amarelo, e conseguia fazer todas as cores"! Sim, sim, essas cores formam uma base no espaço das cores subtrativas, o problema é que não é uma base ortogonal. Se você fizesse uma impressora com essas cores, um dos tubinhos de tinta iria acabar mais rápido. Por isso também que impressoras tem um quarto tubo com tinta preta: para escurecer um tom é mais barato adicionar preto que misturar tinta dos três outros tubos.

Conclusão da história toda: não subestime o magenta! Apesar de ser sistematicamente ignorada, é uma cor com muitas utilidades :)

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17 Comentários:

  • Gostei do lance da tinta na impressora! mas fiquei com uma dúvida... uma tinta já não acaba primeiro que a outra normalmente? :-P

    Acho que vou começar um movimento de FREE MAGENTA! ;-)

    Por Blogger ila fox, Às 22 de junho de 2009 12:23  

  • Ah sim, mas eu estava falando em comparação com o outro esquema. Se você imprimir a mesma página em CMY e em BRY, a versão com magenta vai gastar menos tinta :)

    Por Blogger ricbit, Às 22 de junho de 2009 12:43  

  • Você prometeu que ia falar do Corcel I vermelho do Dal Poz nessa terceira parte! Cadê ? :-D

    Por Blogger muriloq, Às 22 de junho de 2009 13:16  

  • Haha, o exemplo da caneta ilustrava o mesmo ponto e é mais atual :)

    Por Blogger ricbit, Às 22 de junho de 2009 13:16  

  • Murilo,
    Não ia pegar bem a gente tirando foto com sabre de luz num corcel vermelho no meio da madrugada. :-P

    Por Blogger ila fox, Às 22 de junho de 2009 13:28  

  • O problema da "base" de cores vermelho, azul, amarelo não é exatamente ortogonalidade; o problema é que por motivos óbvios você só pode formar cores no interior do "triângulo" determinado pelas três cores que você escolheu:

    http://en.wikipedia.org/wiki/File:CIExy1931.svg

    Olhando pra figura, fica fácil de entender porque no sistema aditivo a gente escolhe R, G, B como cores (e portanto porque no sistema subtrativo a gente escolhe os duais C, M, Y como cores) -- elas são as cores que "maximizam" a área do triângulo de cores que você consegue formar.

    (a figura da Wikipedia não está muito boa -- o finalzinho do espectro deveria ser violeta, não azul, mas isso já é difícil de expressar em uma mídia impressa, onde você não está obrigado a usar só três cores distintas, quem dirá na tela do computador...)

    Por Blogger ctgPi, Às 22 de junho de 2009 14:51  

  • Ah sim, essas bases cromáticas tem o problema de não admitir vetores com componentes negativos, o que limita mesmo os valores possíveis da saída.

    Por Blogger ricbit, Às 22 de junho de 2009 14:53  

  • voltaste! tens de escrever mais :)

    Por Blogger Ricardo, Às 22 de junho de 2009 15:58  

  • Você só não falou dos óculos com filtros de cor.

    Um filtro de cor é muito importante.

    Sempre enxergamos através de filtros (seja o dos olhos ou os dos óculos)

    Há dois filtros em especial que merecem nossa atençao.

    O primeiro é o filtro vermelho.

    Óculos com filtros vermelhos servem pra vc Vermelhor

    O segundo são os filtros Verdes.

    Óculos com filtros verdes servem pra você Verdeperto.

    Ele serve pra VerMelhor!
    E o óculos com filtro verde?

    Por Blogger Raul Tabajara, Às 23 de junho de 2009 16:36  

  • Certíssimo! E nas minhas aulas, as primárias são magenta, amarelo e ciano - porque sei que os alunos ficam decepcionados com o "roxo sujo" que resulta da mistura do vermelho com o azul com guaches escolares.

    Por Blogger Silvana, Às 26 de junho de 2009 22:27  

  • outra função da tinta preta no sistema CMYK é obviamente para os textos. Na impressão comercial os textos costumam ser em preto, e é mais barato usar só uma tinta pra isso do que misturar.

    Por Blogger Rui F, Às 29 de junho de 2009 00:09  

  • Só para agitar!! Aêee seu Pingüim!!! Manda um abraço para o Raul Tabajara!!!
    Vcs têm visto o Phildrac ou o Mandelbrot?

    Por Blogger RMN, Às 30 de junho de 2009 22:26  

  • Muito bom esse post...bastante didático. Congrats mate. =]

    E que tal o sistema Munsell de ordenação de cores? [/designer chato]

    Por Blogger .juliano medina, Às 4 de julho de 2009 20:18  

  • Eu não conhecia o Munsell, achei bacana (é uma variante do HSV com bias cognitivo, deve ser melhor pra artistas mesmo).

    Por Blogger ricbit, Às 4 de julho de 2009 20:28  

  • Eu gosto bastante da forma como os vetores são apresentadas no Munsell.

    Btw, um linkzinho para um teste de visão que tu pode achar interessante:
    http://www.xrite.com/custom_page.aspx?PageID=77

    Cheers. =]

    Por Blogger .juliano medina, Às 4 de julho de 2009 22:45  

  • Já tinha lido antes mas estou voltando aqui pq durante a madrugada pintou uma baita duvida...(e eu não achei um texto satisfatório nem na wikipedia)
    como funciona a luz negra? e aquela tinta que é visível somente com essa luz? como uma frequencia de luz invisível (na luz branca que cobre ou deveria o RGB) passa a ser visivel? ela muda?

    Abraço RICBIT!

    Por Blogger K-prA, Às 25 de julho de 2009 17:54  

  • Na Luz negra o que acontece é se transfere a fosforescência da lampada para o material que você está "iluminando", a luz invisivel bate nessse material é absorvida e depois o material libera luz visivel pare se livrar da energia absorvida

    Por Blogger Vinicius, Às 22 de setembro de 2009 01:57  

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