As batalhas do magenta
Convencer as pessoas de que o magenta existe foi uma batalha, mas certamente não a única batalha pela qual a cor passou. O magenta é uma cor mais sofrida que o flicts; na verdade a própria origem do magenta foi em uma batalha!
Originalmente, a cor #FF00FF era chamada de fúcsia, em homenagem a uma singela florzinha que tem essa cor. Mas em 1859 houve uma sangrenta batalha entre franceses e austríacos, tão intensa que pintou o chão de sangue. Essa batalha aconteceu na cidade italiana de Magenta, e desde então aquele tom da cor de sangue ficou conhecido como magenta.
A batalha mais recente do magenta é contra outra injustiça cometida pelo povo que não conhece física. Dessa vez a abobrinha veio de um designer coreano, que bolou uma caneta-scanner especial para desenhistas. Se você quiser pintar uma maçã com a aparência similar a uma maçã real, basta usar a ponta-scanner da caneta para capturar o tom RGB exato da fruta, e na outra ponta a caneta mistura as proporções exatas de tintas (vermelhas, verdes e azuis) que reproduzem aquele tom. A idéia da caneta até é legal, mas do jeito que foi bolada, não funciona.
O problema da caneta, é claro, são as tintas. Para entender por que elas são um problema, precisamos relembrar a definição de cor do Kandel: "Cor é uma experiência subjetiva relacionada à composição espectral da luz que atinge o olho". Ou seja, segundo essa definição, a única coisa que pode ter cor é luz. Como tinta não é luz, logo tinta não pode ter cor.
A maneira correta de caracterizar uma tinta é através da sua refletância, ou seja, a relação entre luz absorvida e refletida para um dado comprimento de onda. A cor da tinta não depende apenas de suas características intrínsecas, mas também da luz que incide sobre ela.
Você pode fazer um experimento simples para verificar isso. Primeiro pegue dois pedaços de pano, branco e vermelho, e um lightsaber bicolor, azul e vermelho (se você não tem um lightsaber bicolor, eis uma boa desculpa pra comprar um!). Veja agora como a cor do tecido depende da luz incidente:
Luz ambiente (branca)
Luz vermelha
Luz azul
Agora dá pra ver claramente: o tecido "branco" na verdade reflete toda a luz que chega, então ele só é branco quando a luz é branca. Se a luz for vermelha, o tecido fica vermelho, se a luz for azul, o tecido fica azul.
Já o tecido "vermelho", na verdade, absorve todos os comprimentos de onda, menos o vermelho. Tanto faz se a luz é branca ou vermelha, o resultado é o mesmo: só o vermelho é refletido. Já quando a luz é azul, sem componente vermelho nenhum, o resultado é que ele fica com aparência praticamente preta, pois não tem nada pra refletir. O diagrama abaixo mostra o que aconteceu:
Agora fica claro porque a escolha de cores do designer coreano é falha. As tintas que ele escolheu (vermelho, verde e azul) não podem ser misturadas! Vejamos: uma tinta vermelha, na verdade, absorve o verde e azul, refletindo só o vermelho. Uma tinta verde, na verdade, absorve o vermelho e o azul, refletindo só o verde. Se você misturar o vermelho com o verde, a tinta resultante vai absorver o vermelho, o azul e o verde, ou seja, não vai refletir nada. Uma mistura de tintas vermelhas e verdes, em proporções iguais, dá uma tinta preta.
Quem já trocou cartuchos de impressora jato de tinta sabe qual a solução para esse problema. Basta escolher outras cores: amarelo, ciano... e magenta! Essas sim são tintas que podem ser misturadas. Confira: uma tinta magenta, na verdade, absorve o verde. Uma tinta ciano, na verdade, absorve o vermelho. Se você misturar magenta com ciano, o resultado absorve o verde e o vermelho, ou seja, só sobra azul. Tinta magenta com tinta ciano dá tinta azul.
Essas tríades de cores são chamadas de cores primárias. Vermelho, verde e azul são as cores primárias aditivas, aquelas que você usa com emissores de luz, como lâmpadas e LEDs. Ciano, magenta e amarelo são as cores primárias subtrativas, aquelas que você usa com tintas.
Por fim, isso nos leva a mais uma batalha do magenta. "Peraí, minha professora na escolinha disse que as cores primárias são vermelho, azul e amarelo"! Hum, foi mal, mas a sua professora te ensinou errado (deve ter sido a mesma professora que ensinava que se a órbita da Terra era elíptica, então o inverno é quando a Terra está mais longe do Sol). Ela não sabia diferenciar magenta de vermelho, nem ciano de azul.
Uma dúvida mais sutil é "Ah, mas eu misturava vermelho, azul e amarelo, e conseguia fazer todas as cores"! Sim, sim, essas cores formam uma base no espaço das cores subtrativas, o problema é que não é uma base ortogonal. Se você fizesse uma impressora com essas cores, um dos tubinhos de tinta iria acabar mais rápido. Por isso também que impressoras tem um quarto tubo com tinta preta: para escurecer um tom é mais barato adicionar preto que misturar tinta dos três outros tubos.
Conclusão da história toda: não subestime o magenta! Apesar de ser sistematicamente ignorada, é uma cor com muitas utilidades :)
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