Brain Dump

domingo, 20 de julho de 2008

Eu podia estar roubando

É isso. Eu podia estar roubando, eu podia estar matando, mas estou aqui escrevendo no blog. Reclamações sobre a periodicidade do blog devem ser enviadas diretamente à Rockstar :)

Ao falar de GTA, sempre tem quem o associe ao terrorismo islâmico. Mas pra mim, o que incomoda mais é a associação imediata do islã com o terrorismo, em oposição à sociedade ocidental civilizada. Na verdade, já houve um período onde acontecia o oposto, enquanto a ciência florescia na cultura islâmica, os cristãos saqueavam e destruíam em nome da fé (mas na época chamavam isso de cruzadas, ao invés de terrorismo).

Foi nessa época em que viveu Al-Khwarizm (cujo nome deu origem às palavras algarismo e algoritmo), nessa época em que Bhaskara escreveu Lilavati e resolveu a equação de segundo grau, e também nesse período é que surgiram as primeiras demonstrações por indução finita. Mas a influência mais direta que a matemática islâmica teve em mim foi, sem dúvida, através das obras do Júlio César de Mello e Souza, que escrevia com o pseudônimo de Malba Tahan.

Malba Tahan se inspirava na cultura islâmica pra escrever seus livros de divulgação científica, sendo que o mais famoso deles é o Homem Que Calculava. Num post anterior eu tinha dito que o cálculo do Pi com método de monte carlo tinha sido o segundo puzzle que levei mais tempo pra resolver; pois o primeiro puzzle foi justamente tirado de um dos capítulos do livro: como escrever qualquer número usando apenas quatro quatros. No livro, Malba Tahan mostra as soluções até o 10, que são mais ou menos assim:

0 = 44 - 44
1 = 44 / 44
2 = 4/4 + 4/4
3 = (4 + 4 + 4) / 4
...

Eu tinha só dez anos quando li pela primeira vez, e consegui estender a seqüência até o 20. O posfácio do livro dizia que era possível escrever até o 100, mas eu levei mais de uma década até ver a solução completa!

Depois dos 20 primeiros, eu só consegui fazer algum progresso significativo quando estava no colégio técnico. Eu notei que o problema ficava mais simples se eu reduzisse o número de quatros, montando primeiro todas as soluções com um quatro, depois todas com dois quatros, e assim por diante. Eu não sabia na época, mas o que eu estava fazendo era um forward chaining manual. Mesmo assim, eu só consegui fazer os números pares até 100, minha solução tinha um monte de buracos nos ímpares.

Quando eu estava na faculdade, com os skillz mais afiados, eu larguei mão de fazer manualmente e escrevi um script pra fazer o serviço automaticamente. Eu coloquei no script não só as quatro operações básicas, mas também todas as outras que estão no Concrete Mathematics: raiz quadrada, função piso e função teto, binomiais, potências, fatorial, fatorial crescente e decrescente. A única regra é não usar nenhuma notação que envolva letras (como sin, cos e log; se você permitir log, o problema perde a graça).

Meu script conseguiu finalmente resolver todos os números até 100, e até encontrou múltiplas soluções pra eles! Atribuindo um peso a cada operação, eu mandei ele imprimir somente a soluçao mais simples (por exemplo, adição tem peso baixo, piso e teto tem peso alto). A tabela com as respostas está abaixo, junto com o programa que escrevi na época:

Solução gerada pelo script
Script original, escrito em C

O script pode resolver também os 5 cincos, os 6 seis, e qualquer outra combinação, desde que você esteja disposto a esperar o suficiente. O código original é bem ruinzinho, mas na verdade eu me orgulho de achar que meu código escrito há dez anos é ruim, significa que eu aprendi alguma coisa desde então :)

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quarta-feira, 18 de junho de 2008

Um cientista em minha vida


Eu li lá no blog do Kentaro que o meme da semana era "Um Cientista em minha vida", onde deveríamos falar sobre algum cientista que fez a diferença pra você. Como eu adoro constrained writing, resolvi participar (na verdade, eu adoro constrained anything, por isso que vivo criando programas em uma linha, programas que rodam em computadores de 8 bits, e assim por diante).

Eu já falo de cientistas aqui todo o tempo. Olhando no histórico, eu já falei do Knuth, do Erdös, do prof. Routo, do prof. Henrique, e de vários outros. Em comum, todos eles foram cientistas que eu conheci depois de adulto. Achei apropriado então que eu falasse de um cientista que fez a diferença quando eu era criança, e pra isso vamos ter que rebobinar até a década de 80.

Se você perguntar pra alguém sobre revistas de computador na década de 80, invariavelmente irá ouvir sobre a Micro Sistemas ("a primeira revista brasileira sobre microcomputadores"). A Micro Sistemas era muito legal, mas o que eu gostava mesmo era de outra revista, menos conhecida, chamada Microhobby.

A diferença da Micro Sistemas pra Microhobby era mais ou menos a diferença de Informática pra Computação. Na primeira, nós ficávamos encantados com as notícias da maravilhosa terra além da reserva de mercado (onde aprendíamos que a Apple planejava lançar um novo computador chamado McIntosh, que vinha com um periférico estranho e esquisito chamado mouse), enquanto que na segunda aprendíamos a calcular geodésicas e a usar o método de Bolzano para achar raízes de uma equação.

Mas o diferencial mesmo da Microhobby eram as colunas escritas pelo Renato da Silva Oliveira. Uma googlada rápida revela que o Renato é formado em Física, trabalhou nos planetários de São Paulo, Campinas, Vitória e Tatuí, e atualmente trabalha em uma empresa que vende planetários infláveis (how cool is that?!). Mas é claro que eu não sabia disso na época, o que eu sabia era que ele contava historinhas!

Foi lendo as historinhas do Renato que eu descobri que era possível escrever sobre ciência e computação, com clareza e bom humor. Pena que isso ainda não é muito difundido, a julgar pela quantidade de crianças que ainda acham que ciência é uma coisa chata :(

As historinhas que ele escrevia sempre tinham o mesmo formato: um certo sr. Nabor Rosenthal, em suas viagens pelo mundo, deparava-se com alguma situação que sugeria uma análise matemática (os tópicos eram os mais variados e iam de teoria dos grafos até contatos com extraterrestres). Depois de ponderar sobre o problema sem conseguir resolvê-lo, o Nabor tomava uma dose do raro Suco de Ramanujan, que o colocava num transe que ampliava suas capacidades analíticas, e conseguia solucionar o problema.

Mas a coluna sempre acabava antes que o Nabor mostrasse qual a solução! Ao invés disso, o leitor tinha um mês pra conseguir resolver o problema, e só no mês seguinte a solução era apresentada. Na década de 80 ainda não tinha spoj, então as colunas do Renato eram o que bombava pra quem gostava de puzzles computacionais.

Um dos puzzles apresentados foi o segundo puzzle mais difícil da minha vida, eu levei mais de dez anos pra conseguir resolver. Em uma das Microhobby, o Nabor entrou em transe após tomar o Suco de Ramanujan, e durante o transe ele sonhou "com um método para calcular o número pi, usando apenas o gerador de números aleatórios de seu micro" (essa era a época onde o micro mais avançado era o TK-82C, com 2kb de RAM).

Na época eu pensei muito e não consegui solucionar, achando que ia precisar de alguma matemática que eu ainda não tinha aprendido. Eu nunca consegui achar a revista seguinte com a solução, tive que passar pelo primário, pelo colégio técnico, e só no meio da faculdade é que caiu a ficha (e eu percebi que poderia ter solucionado ainda no primário, se tivesse insistido o suficiente :)

O truque é o seguinte: você vai fazer N experimentos, cada um consistindo no sorteio de dois números aleatórios escolhidos uniformemente entre 0 e 1. Se soma dos quadrados dos números for menor ou igual a 1, incremente um contador (digamos, M). Ao final dos experimentos, pi=4*M/N. O script abaixo implementa esse algoritmo:

Script em python para calcular pi usando números aleatórios

O funcionamento é bem simples e baseia-se na figura ao lado. Você começa inscrevendo um quarto de círculo num quadrado de lado 1. Os dois números que você sorteia a cada iteração podem ser interpretados como um ponto dentro do quadrado, e o teste feito é equivalente a testar se o ponto está dentro do círculo ou não. Como a distribuição dos pontos é uniforme, espera-se que a razão M/N seja igual à razão entre as áreas da figura. A área do quadrado é 1, a área do círculo é pi*r2. Como o raio é unitário, então a área do quarto de círculo é pi/4. Isolando pi, chega-se em pi=4*M/N, QED.

A pergunta que deve ser feita ao encontrar qualquer algoritmo novo é: qual é sua complexidade? Infelizmente, esse método aleatório é bem ruim. No fundo, o que estamos fazendo é aproximar pi por uma fração, cujo denominador é N. Então a precisão máxima que podemos obter é 1/N, e se você quer calcular n dígitos de pi, esse método converge, no melhor caso, em O(10n), e na prática em bem menos que isso, porque os seus geradores de números aleatórios não são perfeitamente uniformes.

Eu nunca soube qual o método que o Nabor usou pra calcular o pi. Como ele tinha o Suco de Ramanujan e eu não, espero que tenha sido um método melhor que o meu :)

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terça-feira, 15 de abril de 2008

Variações sobre um tema

Pelos idos de 2006, um dos meus hobbies era resolver Sudokus. Como eu sou uma criatura que se empolga fácil, tinha sudokus em papel, jogos de sudoku no Nintendo DS, sudokus em tudo quanto é lugar. Depois de algum tempo eu tive que desistir dos sudokus, mas não foi porque eu enjoei, foi porque eu não achava mais puzzles no meu nível!

Os puzzles da Coquetel, por exemplo, podem ser resolvidos quase que exclusivamente com técnicas simples, e esses eu resolvia em poucos minutos. Só os puzzles marcados como "diabólicos" e "grande mestre" que precisavam de alguma técnica mais avançada, como X-Wing e unicidade de soluções.

Mas ainda assim eu não parei de comprar as revistinhas. O Hofstadter dizia, no Metamagical Themas, que "Making variations on a theme is really the crux of creativity", e o povo dos sudokus levou isso a sério. Os sudokus tradicionais já não tinham mais graça, mas a Coquetel também publica variações sobre o tema, como os Sudokus Irregulares:


Nesse irregular 6x6 valem as mesmas regras dos sudokus normais, cada linha, coluna ou região precisa ter todos os números de 1 a 6. Mas a maioria das técnicas avançadas não funciona, então esses puzzles ainda têm graça pra mim.

Computacionalmente, o sudoku irregular também pode ser resolvido com o exact cover. No caso desse irregular 6x6, a matriz resultante tem 216x144 elementos. Como eu já tinha a biblioteca de dancing links do post anterior, criar um solver para esse sudoku foi bem simples:

Solver do sudoku irregular 6x6
Entrada exemplo para o solver
Update da lib de exact cover

Dessa vez eu mudei um pouco a api do exactcover.h, a versão original só permitia contar o número de soluções possíveis, agora ela é um template que recebe um functor que é chamado a cada solução encontrada. Como o template ficou mais genérico, agora você pode implementar a variação que quiser sobre o processamento das soluções :)

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domingo, 13 de abril de 2008

Domino Dancing

Dois dos meus hobbies prediletos são resolver puzzles e desafios de programação. Por isso, é natural que eu me empolgue quando consigo fazer os dois ao mesmo tempo!

O caso em questão é o problema DOMINO do spojinho. O problema pede pra você resolver computacionalmente um puzzle clássico, que consiste de um tabuleiro 7x8 com números em cada casa, que deve ser completamente preenchido pelos 28 dominós. Esse puzzle é comum em coletâneas como a Denksel da Croco-Puzzle, e também tem disponível online em vários sites, como a applet java do Janko. Abaixo, um exemplo de puzzle no estado inicial e resolvido:


Como resolver computacionalmente esse puzzle? Quem tem alguma experiência logo nota que dá pra resolver com backtracking. Quem tem muita experiência, percebe que, na verdade, esse problema é uma instância do Exact Cover!

De fato, pra modelar o puzzle como um exact cover, basta verificar os constraints: você precisa colocar cada um dos 28 dominós no tabuleiro, e cada uma das 56 casas do tabuleiro deve estar ocupada por um único dominó. Assim, a matriz terá 84 colunas.

As linhas você obtém notando que cada bloco 2x1 ou 1x2 do tabuleiro só pode ser preenchido por um único dominó. Daí, você tem 49 jeitos diferentes de encaixar um dominó na horizontal, e 48 jeitos de encaixar na vertical, então o total de linhas será 97.

Com a matriz 97x84 em mãos o problema está praticamente resolvido, basta implementar um algoritmo de exact cover. As vantagens dessa abordagem são três: primeiro, reduzir a um problema mais genérico é elegante, segundo, você pode reusar código de algum outro exact cover que você já tenha feito na vida. Por fim, como o exact cover é um problema bem conhecido, é de se esperar que a literatura tenha soluções espertas para esse algoritmo, e há mesmo: o exact cover pode ser resolvido com um algoritmo popularizado pelo Knuth, os Dancing Links.


O exact cover em si é NP-Completo, e a solução naïve é exponencial. Usando Dancing Links, você pode implementar uma heurística muito rápida, que diminui consideravelmente o branching factor da busca pela solução. Quem quiser entender a fundo o algoritmo, só precisa ler o paper original do Knuth, a minha implementação em C++ é a abaixo:

Dancing Links em C++

(Warning: Se você tem dificuldade com listas ligadas e medo de listas circulares biligadas, passe longe do Dancing Links. A implementação requer uma lista bicircular pentaligada, o que pode causar graves coceiras em quem tem alergia a ponteiros).

O exact cover também pode ser usado pra resolver o Sudoku e o N-Queens, então é uma técnica que vale a pena conhecer.

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