Mundos Paralelos

De todos os avanços feitos pela ciência no século passado, sem dúvida o mais inusitado foi a criação da Física Quântica. Além de explicar inúmeros fenômenos que a física clássica de Newton e a relatividade de Einstein não conseguia, a Física Quântica também foi responsável pelas teorias mais malucas que se tem notícia!

Por exemplo, em 1935 um físico chamado Schrödinger (que, por sinal, não era vegetariano), propôs que fossem colocados dentro de uma caixa um gato, um contador Geiger, um frasco de veneno, e um punhado de elemento radiativo. A chance de o elemento radiativo emitir radiação em uma hora deveria ser 50% e o veneno deveria ser letal, mas o gato poderia ser de qualquer raça ou cor.

O experimento se desenvolveria da seguinte maneira: Se, por acaso, o elemento radiativo emitisse radiação, o contador Geiger iria perceber o fato, ativando um mecanismo que quebraria o frasco, liberaria o veneno, e mataria o bichano. Para o cientista, tudo que resta é abrir a caixa depois de uma hora, e ver se o gato estava morto ou vivo.

Aparentemente, isso não é muito diferente de enfiar um gato dentro de uma caixa, enviar via sedex de uma cidade a outra, e verificar se o gato chega vivo no destino. Parece simples, porém, o que havia de simples na ciência foi descoberto pelos gregos, sobrando para nós apenas as coisas inusitadas!

Uma interpretação possível para esse experimento, sob a ótica da Física Quântica, é o cientista não apenas descobre qual o estado do gato ao abrir a caixa, mas sim determina qual é esse estado! Antes de ser aberta, o gato não estava nem vivo e nem morto. Na verdade, as duas possibilidades coexistiam, e o destino do gato só é determinado quando alguém faz uma medida para descobrir o estado, por exemplo, abrindo a caixa e olhando.

Entretanto, esse tipo de interpretação não é aceita por todos os cientistas, por levar a paradoxos. Por exemplo, segundo o raciocínio acima, o universo inteiro estaria em uma superposição de estados até que surgisse o primeiro ser humano!

Para solucionar o problema acima, o físico Hugh Everett III propôs, em 1956, a teoria dos mundos paralelos. Segundo essa proposta, quando o elemento radiativo emite a radiação, o mundo se divide em dois universos paralelos: um onde o gato vive, e outro onde o gato morre! Isso significa que existem inúmeros mundos paralelos sendo criados a cada instante, apesar de não termos consciência disso!

A teoria dos mundos paralelos foi uma idéia ousada, mas gradualmente foi aceita pela comunidade científica. Mais da metade dos físicos da atualidade acreditam que ela seja verdadeira, incluindo nessa lista Stephen Hawking, e os prêmios Nobel Murray Gell-Mann e Richard Feynman.

Mas é claro que uma idéia louca dessas foi aceita com muito mais facilidade em outra comunidade: a dos escritores de ficção científica. Um desses escritores era justamente Gardner Fox, que acabou introduzindo o conceito nos quadrinhos na história "Flash de Dois Mundos", publicada em 1961.

Na mesma época, Julie Schwartz, editor da DC, estava pasmo com a popularidade de Barry Allen, o novo Flash. Não demorou muito para que ele criasse um novo Lanterna Verde, que não tinha nenhuma relação com o antigo, além do nome e dos poderes. Com o sucesso desse novo Lanterna, Julie resolveu aplicar a fórmula também na antiga Sociedade de Justiça. Porém, ele achou que o nome "Sociedade de Justiça" era antiquado demais, e, inspirado nas ligas de basquete que faziam sucesso na época, criou então a Liga da Justiça da América.

A extensão natural foi unir esses dois conceitos que faziam extremo sucesso: a Liga da Justiça, e os contos de mundos paralelos do Flash. O resultado foi o clássico "Crise na Terra-1", em agosto de 1963, onde os dois Flashes são capturados, e apenas a força combinada da Liga da Justiça e da Sociedade de Justiça poderia libertá-los!

Essa edição bateu recordes de venda, a ponto de decidirem que deveria haver pelo menos um encontro da Liga e da Sociedade a cada ano! Na verdade, o único problema da história foi o erro na numeração das terras: a terra mais antiga, habitada por Jay Garrick, foi chamada de Terra-2, e a terra de Barry Allen foi chamada de Terra-1, quando deveria ser o contrário. Entretanto, no Brasil, esse erro nunca chegou a confundir ninguém, pois aqui a Terra-1 era conhecida como Terra Ativa, e a Terra-2 era chamada de Terra Paralela.

Em 1964, foi publicada a primeira continuação desse encontro: "Crise na Terra-3", onde a Liga e a Sociedade precisam enfrentar suas contrapartes malignas da Terra-3: o Sindicato do Crime da América. Em 1965, o Johnny Trovoada da Terra-1 faz com que seu gênio de estimação volte no tempo e altere as origens dos super-heróis desse mundo, criando uma nova terra, na história "Crise na Terra-A".

Os encontros entre as duas terras continuaram ainda por vários anos. Na década de 70, a DC Comics começou a comprar outras pequenas editoras. Ao invés de simplesmente colocar esses novos heróis das outras editoras no seu universo, a DC postulou que eles viviam em outras terras.

Assim, em 1973, os heróis da Quality Comics aparecem na história "Crise na Terra-X", que mostrava uma terra onde os nazistas ganharam a segunda guerra. Essa terra deveria ter sido chamada Terra-Suástica, mas os editores cortaram as pontas da suástica para evitar reclamações. Em 1976, "Crise na Terra-S" introduz os heróis da Fawcett Comics, dos quais o mais conhecido é o Capitão Marvel. Terra-S, é claro, veio de Terra-Shazam.

Porém, em certo ponto, já havia tantas terras que ninguém estava entendendo mais nada. Antes que algum escritor maluco escrevesse uma história com 580727 terras paralelas, os editores resolveram acabar com a festa, e colocar todos os heróis em uma única terra.

Em 1986, aconteceu o último e maior encontro entre a Liga e a Sociedade de Justiça. Na história "Crise nas Infinitas Terras", heróis de todos os mundos paralelos se unem para enfrentar a ameaça do Anti-Monitor, que deseja destruir todas as terras para criar um universo de antimatéria. A história termina em empate: o Anti-Monitor é destruído, mas os heróis não conseguem evitar que quase todas as terras sejam destruídas, restando apenas uma única terra!

O ponto alto dessa história é sem dúvida a morte do Flash. O mesmo herói que descobriu as terras paralelas em 1961 sacrificou-se para evitar a destruição do multiverso, fechando assim o ciclo de histórias sobre mundos paralelos. A partir de 1986, a DC Comics tornou-se um universo de super-heróis onde não havia mundos paralelos.

E, por algum motivo, eu acho que existe por aí um mundo paralelo onde o Schrödinger era vegetariano, e nessa terra foi só em 1986 que a "Crise em uma Única Terra" criou um universo de heróis que transitavam à vontade pelos mundos paralelos.

Autor: Ricardo Bittencourt
Data: 28/03/2001
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